Esta história passou-se há três ou quatro décadas,
numa aldeia algures no interior deste país. Tudo começou quando ele subiu para
cima do tractor, naquele início de tarde estival. Mas, de facto, terá sido aí
que tudo começou? Qual o irredutível ponto inicial de uma história? Onde, de
facto, foi dado o primeiro passo? Às questões sem resposta apenas silêncio e o
inevitável encolher de ombros. Por conseguinte, regressemos a ele, ao seu
tractor, e a um calor de olhares baixos. Mas não esquecemos as anteriores questões.
Não é nossa pretensão, ao relembrar esta história, sombrear recantos, para que
floresçam, numa avidez sedenta, os inevitáveis pontos de vista do interesse.
Enquanto a mulher descascava as vagens do jantar, sentada num baixo banco de
madeira, e as atirava para uma bacia de plástico, com a cor dos anos, ele
cobriu a cabeça com a boina, e saiu. Àquela hora, os filhos, um casal, ela mais
velha dois anos, ainda na escola. Por enquanto… Ele, neste ponto, a olhar a
terra e a suspirar por um não sei quê... Mas sempre um suspiro. Não se vá dar o
caso de… A mulher, neste aspecto, numa sintonia coral, talvez porque o banco
cada vez mais baixo, as costas gritantes, os óculos a cair mais do que as
vagens, e a filha com umas palavras incompreensíveis, sempre agarrada a livros,
que só lhe inculcavam ideias estranhas, havia que pôr um termo a isto, mas a
visita da professora, que lhes apelou ao coração para que ela não deixasse a
escola, eles ficaram de reflectir, a professora simpática, um pouco
sofisticada, notava-se que não era daquelas paragens, talvez o rosto num além
estações, e o espelho deles a reflectir, desde sempre, a geada de Dezembro, a
chuva de Março e a canícula de Julho… Esta visita foi há uns dias. No fundo,
não gostaram. Nunca gostamos dos ventos contrários à nossa rota. A visita
ocorreu após a janta de uma quinta-feira. Eles foram cordiais. Afinal, era a
Senhora Professora! Todavia, ele não evitou, ao longo da conversa, o acentuar
dos sulcos da testa. A mulher, mais democrática, como é próprio do feminino
(quem melhor sabe dizer um sim com um sabor a não?), ouviu na complacência de
um sorriso. No fundo, sorria para aquela jovem mulher, para o seu entusiasmo
inocente, próprio de quem coxeia, afinal, de que serve a teoria, quando tão
pouco mundo se conhece? Finda a prelecção da professora, a mãe, ainda com as
mãos no regaço, olhou primeiro para o marido, no olhar apenas um silencia-te, por fim, deteve-se no rosto
sorridente e entusiasmado da docente, e proferiu, numa clareza inesperada,
apenas uma questão: Sim, compreendo… É
uma pena ela largar, ainda por cima se tem tantas capacidades, como diz… Mas
onde vamos arranjar esse sustento? O sorriso entusiástico a entrar no seu
ocaso, um silêncio a cair empurrado pela fatalidade, braços pendentes ao longo
do corpo, olhares com o desamparo do soalho, a filha a regressar ao quarto,
ouvia atrás da porta, e a compreender que a lucidez materna se estendia além
portas…
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