Livros

Livros

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Por favor, diga-me que sim



Chegaram ao centro comercial, como é habitual ao sábado, por volta das 3 da tarde. Apesar da idade do carro, a estima dele não esmorece. Ainda por cima, como ele costuma dizer, sempre que pode trata de o abonecar. Já lhe mudou a dianteira e consequentes novas ópticas. O anoitecer, para ele, ganhou um novo desígnio: afinal, a estrada passou para uma tonalidade algures entre o azul e o roxo. E não esquecer a traseira… Mas já chega de carros. Afinal, acabaram de o estacionar, e, ao sair, ele não evita bater com a cabeça no terço, pendente do retrovisor, que a mãe o obrigara a colocar, sob promessa. Ela saía com mais solenidade: não só pelos saltos, como pelo carácter da ocasião. Antes de as portas se lhes abrirem de par em par, com a promessa de um triunfalismo nunca chegado, ele prime o botão da chave, e escuta o guincho metálico do carro, observa o reflexo das luzes nos vidros, e incha o peito por uma confiança revigorada. Ele dá-lhe a mão. Com a outra ajeita o boné. Enverga umas calças de ganga, compradas numa feira em Loures (na altura dissera a um amigo: São um mimo, bacano. Por um nico, e parecem as verdadeiras), camisa branca, casaco castanho de cabedal, um pouco coçado, e com o fecho estragado, e umas botas pontiagudas, pretas, com umas cornucópias gravadas a atirar para o dourado. Está um pouco irritado com um bocado de carne, preso entre molares, que não consegue tirar. Não consegue desviar daí a língua. Já tentou, infrutiferamente, com o indicador direito. Praguejou pela ausência de palitos. Tinha por hábito mirar-se nos vidros das montras, e perdia-se com os reflexos de luzes provenientes da ostensiva pasta de gel, que lhe emoldurava o cabelo. Ela, muito direita a seu lado, trazia vestida uma camisola preta, de decote acentuado (neste particular, ele nutria orgulho, e proclamava bem alto: O que é bonito, é para se ver), por cima um casaco a imitar peles, uma minissaia verde, e uns botins, forrados a leopardo, com um salto da altura da vertigem. Deambularam um pouco, entre montras, com o semblante algures entre o cumprimento de um dever e o fascínio. Enquanto ela resistia, desta feita, a entrar, e ficava-se pelas montras, ele observava em redor, na esperança de um sorriso conhecido. Mas os rostos cirandantes apenas lhe devolviam circunspecção e o distanciamento da indiferença (...)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.