Livros do Escritor
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
terça-feira, 24 de outubro de 2017
"... a 27
de Maio de 1987, na capital da ópera, contra todas as previsões, desde uma
arrogância boçal aos favores dos média, familiarizados com nomes e marcas, e
com uma traumática experiência 3 anos antes, com uma inglória final perdida,
fruto de mais um que teve o seu preço, assisti ao mais belo bailado sobre um
tapete verde, digno da capital que acolheu tal espectáculo, só vi camisolas
azuis e brancas, de listas verticais, por todo o lado, até que, já se entrara
no último quarto de hora, após tantas bolas perdidas, o magnífico argelino faz
o impensável, aqueles singulares momentos em que a realidade se suspende para
ver no que dá… Nem um respirar se ouve… Nada! Para mim, por muito que busquem
argumentos coxos e desajustados, só o futebol tem este condão, de suspender o
respirar do mundo para se ver se uma bola entra, e, felizmente, naquela noite
de Maio, a bola entrou, e de calcanhar! O bailado fundia-se com uma justiça
poética, e, nesse momento, sabia que o meu Porto ia ganhar..."
in "Quando a magia decidiu partir"
domingo, 22 de outubro de 2017
Rua do Sol
Hoje vi-o, passeio fora, orgulhoso, com uma bicicleta
pela mão, percebia-se-lhe o tempo, mas, ainda assim, apresentável, percebi, de
imediato, o destinatário, a essa hora olharia o quadro, verde, diante de si,
talvez com uma frase para decompor ou uma conta de multiplicar, uma mão
suportava os sonhos que lhe enchiam o pensar, enquanto a outra (com um lápis?
Uma caneta?) fingia interesse pelo que se passava no quadro, àquela hora
(aproximava-se o regresso a qualquer coisa de nome lar) as escassas refeições
do dia empurravam-no para um sono crescente, andava por aqui há pouco mais de
meia dúzia de anos, porém, aprendera que o encolher do estômago é proporcional
ao alargar dos sonhos, nisto uma frase estridente fá-lo regressar-se e
estremecer Perceberam, meninos? Ele a
formular uma surda questão para si Perceber
o quê? Os sapatos que, de tão apertados, mal lhe permitiam caminhar, quanto
mais correr atrás de uma bola (...)
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
Os mortos não sonham
Sempre que aquela música na rádio, ele assumia um ar
circunspecto, como se não a ouvisse, ou lhe fosse indiferente, porém, era
precisamente esse véu de gravidade a denunciar-lhe os passos do sentir, isto
sucedia com mais frequência no carro (afinal, em que outro lugar, do hoje, se
ouve rádio?), nesses momentos, olhava a minha vida de uma qualquer janela, como
se de uma ilusão se tratasse, tão estranho, ele ali, a meu lado, a conduzir a caminho
de casa, e a canção, interminável, a povoar o silêncio que, de súbito, se abriu
entre nós, enquanto os melosos acordes ecoavam, eu a olhar calçadas e
transeuntes, como se tal me interessasse, logo eu que tão pouco reparava nos
outros, e a canção, interminável, a certa altura, já nem posição tinha, de
tanto me obrigar a olhar a janela do meu lado, nunca soube se ele se apercebia
do meu esforço (pela janela), do meu súbito desconforto, do silêncio que a
música nos legou, eu persistia a olhar, através do vidro, gentes, passeios,
montras esconsas, creio, em verdade, que, assim que os acordes se repercutiam
no interior silenciado do carro, ele desacelerava, como se quisesse eternizar o
momento (...)
quarta-feira, 18 de outubro de 2017
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
domingo, 15 de outubro de 2017
"Bem sei que ele queria um filho que
nadasse como Johnny Weissmuller. Investi largas centenas de piscinas na
satisfação do seu desejo. Acompanhou cada passo da evolução aquática.
Creio que, neste aspecto, não o desiludi. Nos verões de praia, ainda hoje
desconfio, que ele sustinha a respiração cada vez que me lançava à água, e
bracejava com estrépito rumo à heroicidade, como se nele estivesse contida toda
uma plateia cinematográfica ansiando pelos feitos do seu herói.
Mas aconteceu-me algo que acontece a
todos os filhos: cresci. E este fenómeno não se dissocia do refinamento do
espírito crítico. E é aí que olhamos os nossos progenitores, do alto das nossas
convicções inabaláveis próprias da então desconhecida efemeridade da juventude,
e os desvelamos na radiografia das suas fraquezas e iniquidades. E então
pensamos: como querem estes ensinar-nos
algo? Eles próprios nada aprenderam. Hoje, já não penso assim. Hoje já não
tenho convicções tão profundas. Hoje, de modo muito particular, sinto falta do
seu sorriso de luz. Tinha uma forma única de conciliar tudo à volta do seu
sorriso. E esta é uma qualidade muito rara."
in "Crónica ao Johnny Weissmuller"
quarta-feira, 11 de outubro de 2017
domingo, 8 de outubro de 2017
"Noites
de hospital, noites de gritos de uma dor só. Num momento de pausa, ela atravessa
corredores de desespero, até à enfermaria onde ele se encontrava, uma desculpa
profissional para se justificar por ali, mas ele ausente, a sua pausa a
expirar, regressava quando o vê sair de um gabinete, num esforço patético de
naturalidade, acompanhado de outra enfermeira, que se digladiava com uma chuva
de cabelos para repor a touca, ela cola-se à parede do lado oposto do corredor,
numa ânsia de invisibilidade, passa por eles, nada é dito, nem um cumprimento,
de novo, uma questão cansada lhe surge A
que sítio pertencemos?"
in "Do outro lado do rio, há uma margem"
terça-feira, 3 de outubro de 2017
"Se algum dia me sentir só com as
minhas convicções, sempre posso ligar a televisão, agarrar num certo dvd, ouvir
o eco de uma voz (Tens de ver este filme!),
e rever Shane, e quando, no final,
assistir à sua partida, rumo às montanhas anoitecidas, resta-me acompanhar o
miúdo no seu grito final: Adeus, Shane!"
in "Adeus, Shane"
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