Caminhava atrás daquela figura de branco (ou seria de negro?), sem perceber quem lhe ordenava os passos, por aqueles longos corredores, que se lhe afiguravam ainda mais obscuros, ela a ordenar-lhe que se sentasse, ele numa obediência infantil, pelo menos da infância que foi sua, a figura de branco (ou seria de negro?) ressurge, segura, numa mão, um copo de plástico com água, na outra, um pequeno cilindro colorido, diz-lhe, num tom doce, compreensivo, mas, simultaneamente, sem espaço para réplicas, é curioso como uma frase, em certas vozes, possui uma miríade de significações, Tome. Engula de uma só vez, cumpre com o imperativo, Vai ser melhor para si, e para os seus, vai ver. Daqui a uns minutos, venho buscá-lo, deixa-se estar, ali sentado, a olhar, não a parede em frente, que tinha um panfleto qualquer suspenso a fita-cola, talvez a chamar a atenção para a relevância da higiene oral, sombras de pensamentos, ou de sentires, uma indolência ganhava terreno nas suas raízes, olhava, agora, à volta, com o sentir já morno, de repente, uma mão no seu ombro, nem se apercebeu dos passos que a trouxeram, de novo, a voz doce, compreensiva, mas, simultaneamente, sem espaço para réplicas, Está mais calmo? Venha, então, levantou-se com alguma dificuldade, a dado momento, teve de se apoiar no encosto da cadeira, Quer ajuda? Tem a certeza? Recusou duas vezes, sublinhadas com uma horizontalidade em movimento, embora lenta, afinal, uma mão ainda se firmava no encosto da cadeira, por fim, seguiu-a, ao entrar no quarto, cuja penumbra apenas se atenuava por uma luz esbranquiçada proveniente da cabeceira da cama, viu dois braços lívidos que seguravam o universo, agora em repouso, olhou a figura de branco a seu lado (ou seria de negro?), em gratidão pelo cilindro colorido, só assim ali chegara, os braços lívidos levantam um rosto à altura do seu olhar, como é estranho, não havia nele arqueologia de traços salgados, mágoa, revolta, apenas uma dor demasiado subterrânea para ser traduzida em feições, senta-se, na cama, ao lado daquele amplexo, os braços lívidos já baixaram o olhar, contemplam, de novo, aquele universo em repouso, ele relembra o dia em que ali entraram, pela primeira vez, norteados pela angústia em forma de dúvida, embora, entre eles, saltitasse um universo de esperança, tiveram de regressar, e regressar, viram majestades destituídas da sua coroa, mas nunca dos seus sorrisos, mesmo quando os rostos amareleciam, havia aquela dignidade prevalecente, como se a coroa tivesse mudado de lugar, parece que há lugares, neste mundo, que se nos colam à pele, este é um deles, quando ali não estavam, o seu pensar deambulava por aqueles longos e obscuros corredores, com o tempo, o sorriso foi estreitando enquanto os braços empalideciam, aquela vozita filha da espontaneidade foi ficando arrastada, curioso, nunca quis nada que lhe ocultasse o roubo da coroa, apenas uma frase para atenuar o efeito, Assim pareço o Avô, talvez compreendesse que há vazios intangíveis, talvez por gritarem para além da rouquidão, ainda ontem, ao telefone, falava-lhe de natais por nascer e de aniversários por cumprir, os braços lívidos ajudaram-no a pousar o telefone, percebeu-lhes a dificuldade, afinal, ninguém ilumina um universo para assistir ao seu sono.
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