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segunda-feira, 18 de julho de 2022

Abriu a época dos “avecs”


 

Há umas semanas, alguém me escreveu: “Vivemos tempos muito estranhos…”; não podia estar mais de acordo, desde há dois anos repito: “Afinal, não saímos da Idade Média”, acenam com o medo e quase todos se curvam e enfileiram em rebanho, pois, de facto, “Vivemos tempos muito estranhos…”, quando, na cronologia temporal, os teóricos afirmam estarmos na “Era da Tecnologia”, tão-só a aplicação prática da ciência, constato que “Afinal, não saímos da Idade Média”, e nesta confluência de informação aterrorizante diária, desesperança, cinzentismo, alienação galopante, derrube sistémico dos Valores Essenciais, há uma corrente que postula a época de e para tudo: “época balnear, época de férias, época da neve, época das castanhas, dos morangos, das cerejas, e mais frutas houver, época dos saldos…”, enfim, até há a “época dos incêndios”, pasme-se, como se fosse uma decorrência normal esta monstruosidade criminosa, uma coisa vos garanto: se ninguém ganhasse muito dinheiro, não havia fogos – como em quase todos os crimes que perduram! Face a este contexto, resolvi dar o meu contributo para o novo léxico: a “época dos avecs”. Perguntar-se-ão boa parte dos leitores: o que é um avec? Se somarmos um garrafão-de-azeite a um dicionário Português/Francês, o resultado é invariavelmente um avec! Surgem, de facto, em finais de Julho, atingem o auge no decorrer do mês de Agosto, e começam a desvanecer-se felizmente no início de Setembro, após a definição, ainda deve haver questões pendentes: como identificar um avec? É relativamente fácil, não, não estou a ser optimista, pelo contrário, por vezes, basta ouvi-los, mas é necessária uma ordem, comecemos pelo exterior: qual o aspecto distintivo de um avec? Há qualquer coisa, assim que nos cruzamos com um, de diferenciador, se for do género masculino, sim, na minha prosa haverá sempre e apenas dois géneros (Masculino e Feminino), seria preciso muito mais para que os meus Valores Essenciais balançassem, como dizia, se for do género masculino usa uma inevitável camisola-de-alças, que realçam uns bracitos descarnados e uma palidez excessiva, uns calções com bolsos dois números acima, de onde pontificam uns gémeos igualmente descarnados e com uma palidez excessiva, nos pés, regra geral, uns chinelos pouco vistos por estes lados, não viessem os avecs de la France, às vezes até com umas peúgas, para mitigar aquele joanete teimoso que, ao final do dia, fica magoado, a peúga lá tem o seu efeito balsâmico, o inevitável colar ao pescoço, com uma imagem, em miniatura, da Virgem, um chapéus de feltro, perfeitamente desajustado a estas paragens, que lhes confere um ar de figurantes ridículos em filmes ambientados em safaris e savanas, por fim, uma malinha a tira-colo, tudo complementado com o enfatizar de galicismos (“oui, ça va, bien-sur, donc, mais non…”), quando escasseavam, lá entrava em força o bom vernáculo utilizado antes por Camões e Fernando Pessoa, embora subvalorizado pelo resultado da soma entre um garrafão-de-azeite e um dicionário Português/Francês, os descendentes, por norma, recebiam na pia-baptismal nomes preciosos como: Jean-Pierre, Marianne, Gaston, Michel, Monique… Tudo, claro, enfatizado devidamente com aquele sotaque de onde sobressai o indelével bafo azeiteiro, elas, por seu lado, mesmo que tímidas, tornam-se, de imediato, extrovertidas, tudo fazem para aparentar não serem daqui, por conseguinte, “oui, ça va, bien-sur, donc, mais non…” ecoam muito antes dos seus passos, as cores das roupas numa demasia barroca, como se fosse possível, garanto-vos que sim, e as cabeleiras numa permanente aura de saídas de uma qualquer tosquia, caros leitores, peço-vos agora um esforço de imaginação: se o vosso trabalho e a própria existência se cingissem a um qualquer horizonte redutor, o que fariam para ocultá-los? Pois, laivos de grandeza é resposta inequívoca, assim vemo-los a chegar numa manifesta e sublimada competição por quem traz o carro mais comprido, é enternecedor, confesso, de novo peço um esforço de imaginação: concebam lá a ideia de um carro que ocupasse, quase por inteiro, a praça de uma qualquer aldeia, até podia ser descapotável, vocês, sentados ao volante, a gritar para todos: “Bon-jour, ça-va bien?” Notável, sem dúvida, é tudo o que se me oferece dizer, os filhos acabam por ser decalques dos progenitores, quanto mais velhos são, mais se denota esta característica, a compreensão de que os pais, naquela sociedade, realizam os trabalhos indesejados, pois, não é fácil este assimilar dos factos, ao menos, por quatro semanas, podem brincar ao Era uma vez… Este voltar às renegadas origens acaba por constituir uma pausa da realidade, o verdadeiro sentido de férias, neste Verão, se cruzarem com um avec, peço-vos indulgência, lembrem-se de que está a brincar ao Era uma vez…, não, por favor, não falem de trabalhos indesejados, da sanita entupida ou do atraso na recolha do lixo da vossa rua, respeitem a pausa de realidade dos avecs, andaria eu pela segunda ou terceira classe quando tive o primeiro contacto com esta espécie, regressavam para um rés-do-chão, todo o ano desabitado menos naquele mês de Agosto, o carro era comprido, mas não excessivamente, era bonito para a altura, um Peugeot, não me recordo do modelo, nunca fui muito pródigo nessas matérias, verde-metalizado, casal com uma filha, eram discretos nos modos e no uso de galicismos, por estranho que pareça, bom, cada espécie lá tem exemplares divergentes, mas todos sabiam que eram avecs, a filha primava igualmente pela discrição, era simpática, brincava connosco na rua, o que recordo melhor dela é o facto de os olhos terem a cor do carro - verde-metalizado – , quando, por acaso, o sol por lá se passeava, eu encantado e perdido naquelas paragens, talvez se lhe tivesse murmurado ao ouvido “Je t´aime”, eu fosse digno de terminar esta crónica com um “Au revoir!”             

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