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segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Um adeus pronuncia-se com o olhar

 


Puseram um prato na mesa para ela? Era hora de jantar, e, uma vez mais, a questão. Há quantos dias se repetia? Ele, à entrada da sala, com um ar convicto de cada sílaba, eles com um entreolhar púdico, a mãe a virar-se ao mesmo tempo que anuía, o pai a censurar-lhe o silêncio e a anuência, ele a afastar-se, sentia-se a satisfação pela resposta materna, por fim, o pai Isto não pode continuar! A mãe a concordar com a razão, mas a negar com o sentir. Chegada a refeição, ele a olhar, não o prato limpo, mas a cadeira por ocupar. Um espaço vazio grita sempre demasiado alto! A levantar-se da mesa, com o estrépito necessário para traduzir o incómodo que o habita, a mãe a secundá-lo, o pai, de novo, em censura de olhares, mas a optar pelo silêncio, já havia ecos demasiado gritados por ali, ele a fechar a porta antes da mãe, ouviu-se um correr excessivo da janela, a mãe impedida pela chave de entrar, o terror sob a forma de um grito, o pai a levantar-se enquanto os talheres num movimento oposto, a alcançar a mulher, a deslocar o ombro de encontro à porta, mas, por enquanto, a não se aperceber, a socorrer-se, agora, de um pontapé, por fim, a porta cedeu, a conseguir segurar o filho, embora este aquém ainda de abismos, só os contemplava, escusado será falar da longa e exaustiva prelecção paterna, noite adentro, as anuências do filho, os suspiros do pai, Ainda bem que compreendes, ainda bem… Como se a esperança se sentasse entre eles, a mãe comovida com a abnegação do marido, sim, afinal, há demasiados anos, tinha realizado a escolha certa, no fundo, a escolha, tal como a palavra, é feminina. O dia seguinte permitia descanso, assim, conheceram a manhã com um rosto a caminho da tarde, a porta do filho escancarada pelo episódio vespertino, resolveu ser ela a despertá-lo, entrou no quarto, a dada altura pisou umas superfícies escorregadias, de novo, um terror alarmante a invadi-la, corre para o interruptor, olha o rosto do filho, um fio branco espumoso escorria-lhe pela boca, sobre a carpete, um frasco de vidro, aberto, a tampa estava a pouco mais de um metro, libertara parte do seu conteúdo. De novo, terror sob a forma de gritos, o espanto esmagado do pai, da porta do quarto, telefone, frases inarticuladas, sim, a urgência, a crescente indignação pelos pedidos de calma, e a urgência, gritos, de novo, por uma pressa que era só deles, como comunicá-la aos outros? A ambulância, os vizinhos, a exposição, a fragilidade, ainda para mais, era um dia que permitia descanso, crescia o número de gente à janela, os pais diluídos no alcatrão, a verem a ambulância afastar-se. Após uma semana, ele de novo em anuências, desta vez, espontâneas, sim, dos pais, nem vislumbres de prelecções. A mãe comovida, de novo razão e sentir travam um velho e cansado conflito, o pai na distância da compreensão, desta vez, era ele no papel das anuências, enquanto se dirigia para a porta, conduzia a mulher para o mesmo destino, escusado será frisar o seu papel no vencedor do velho e cansado conflito. Decidiram dar o seu aval à sugestão médica. Assim, ele mudou de instalações. À sua volta passou a haver menos escarlate, menos ligaduras, nem vislumbres de gesso, azáfama nos corredores por dores demasiadas, pelo contrário, encontrou, nestes novos colegas de um qualquer infortúnio, desejos similares, por mais um prato na mesa, um talher, um eco inaudível, um rosto jamais vislumbrado, uma história não deste tempo, uma voz agora feita silêncio, mas que persiste num ouvir… Devido à distância, só o podiam visitar naqueles dois dias de descanso que ditam o fim de uma qualquer coisa. A essa hora, costumava estar no jardim. Já lá estava há dois meses, quando os surpreendeu com uma questão: Ela sabe que aqui estou? Os pais, num espanto ignorado, de novo no socorro de olhares mudos. Porém, ele descansou-os: Sinceramente, espero que não… Ninguém vale por isto. Só espero o vosso perdão, para voltar a caminhar.

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