Ultimamente uma questão acompanha a
minha sombra: o que perdurará de mim quando partir? Volto do trabalho, ainda na
escada, percebo que a casa cheira a jantar, entro, cumprimento-a enquanto tiro
o casaco, começa, de imediato, a narrar-me as vicissitudes do seu dia, as
peripécias do bairro, finjo atenção e simultaneamente dirijo-me para a janela, acompanha-me
os passos e preenche-me os ouvidos até a um certo ponto, mais ou menos até à
mesa da televisão, que demarca a sala da marquise, aí chegados, não sei porquê,
regressa de imediato para as suas lides, enquanto eu, grato pela devolução do
silêncio, puxo de um cigarro e por ali fico, não a olhar este cenário extenuado,
mas à espera dos passos do pensar, nestes últimos tempos têm-me levado a um lugar lá
atrás, quando o agora apenas um sorriso confiante no rosto, talvez se lá
regressar volte a ostentar um sorriso confiante no rosto...
Livros do Escritor
sábado, 25 de novembro de 2017
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
quinta-feira, 16 de novembro de 2017
"... por ali andavam muitos sonhos seguidos de outras
tantas frias manhãs, vencia um monte, naquele cume pensei repousar, mas,
ali chegado, só encontrei a sombra de um
outro ainda mais alto, logo iniciava nova escalada, com a esperança de alcançar
nesse outro cume o merecido repouso sob a luz revigorizante de um sol apenas
meu..."
in "Não te esqueças de trazer um sonho contigo"
domingo, 12 de novembro de 2017
terça-feira, 7 de novembro de 2017
"Numa noite ida de província, em vez
de pratos, talheres, copos, a mesa povoou-se de cor. Era uma mesa de madeira
enegrecida. Talvez pela vizinhança com o lume. Comprida. Mas, nessa noite, era
o coração do mundo. A noite estava fria. As mãos estendiam-se para a lareira,
enquanto os olhos, ávidos, percorriam o festival de cores sobre a mesa, que
encerrava uma indizível promessa de alegria. Adultos cirandavam, numa
indiferença inexplicável às cores, falavam e falavam, e ele, teria perto de
oito anos, vislumbrava o abismo que o separava daquelas criaturas mais altas,
algumas com a cabeça prateada, cheias de certezas, convicções… Tudo uma frágil
aparência, porque só o olhar de uma criança apreende o véu desiludido que lhes
turva o olhar.
Sente-se na pele que esta é uma noite
diferente das outras. Porquê? Sim, não se explica, sente-se. E quando as coisas
enveredam pela via dos sentimentos, o verbo torna-se supérfluo, porque
compreendemos no outro uma essência irmanada. Mas voltemos à criança. Aos oito
anos. Ouve-se o sino. Um sino tem voz de alma. Todos se encaminham para a
saída. A mãe veste-lhe o sobretudo. Saem para a noite. O frio arrefece as
conversas, mas não o passo. Apesar da crescente distância em relação à mesa, às
cores, à promessa de alegria, de mãos nos bolsos, segue os familiares, afinal,
ainda havia uma obrigação a cumprir. Em algum lugar de si, sentia que a palavra
obrigação era desajustada. Porque cada passo seu proclamava agradecimento.
Recorda-se de, antes de entrar no templo, olhar o céu. Estava um céu de natal.
Os seus pensamentos, nesse momento, oscilaram entre o menino Jesus e o Pai
Natal. Gostava de ambos. Em ambos repousava também uma promessa de alegria.
Embora de alegrias distintas. E começava a compreender isso. Porque só uma
criança pobre, ornamentada de trapos, nascida sem tecto, era capaz de reunir
uma aldeia aquela hora da noite. E o seu coração de oito anos acreditava que
aquela não seria a única aldeia. "
in "Natal rima com criança"
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
Até que, lentamente, começo a ver passado. Como se, cada
acorde, correspondesse a uma pincelada de uma tela ainda por desvelar. Assisto
à magia do alvor da memória, embalado pela melódica abertura deste sonhado Stairway to Heaven (da imortal banda
inglesa). Há muito que não ouvia. Compreendo, com tristeza, que a felicidade é
sempre retrospectiva. É sempre a estação deixada para trás. Toda a tristeza do
mundo desenha-me no rosto a ténue linha de um sorriso compreensivo – aquele que
provém do tempo.
Agora, sou um passageiro memória, e viajo à mercê do seu
passo. E começo a sentir os odores, a cheirar as cores, e a rever as emoções
daqueles dias, enquanto ascendo a azuis de outrora.
in Queria rever o teu rosto ao entardecer
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