FINITUDES
Livros do Escritor
quinta-feira, 27 de março de 2025
terça-feira, 25 de março de 2025
Lugar d`Além
“É
ali que vamos ser felizes!”, a
frase saiu-lhe simultânea ao pensar, “É ali que vamos ser
felizes!”, o rosto em esperança, ouviu-a com indulgência, felicidade não
rima com existir, “Anda, segue a seta,” perplexo olhou a placa que
indicava “Lugar d´Além,” de início
afigurou-se-lhe algo inquietante, porém, a resoluta expressão dela fê-lo colocar
o pisca e seguir nessa direcção, tudo, neste caminhar, tem um antes, o facto de
ali se encontrarem começou há uns bons anos, poucos meses depois de firmarem
votos de amor e fidelidade sobre terreno sagrado e sob
a cruz-divina, símbolos de compromisso nos anelares-esquerdos, foram morar num pequenito apartamento nos arrabaldes, sala que era quarto, quarto que servia de
sala, uma acanhada casita-de-banho e, o que se denomina de cozinha, um corredor
com uns eletrodomésticos, ao fundo, uma janelita, com um estendal, que dava
para o prédio em frente, desconheciam a causa, ou talvez não, mas a cada dia
parecia mais próximo, tal o crescendo de sombras que pareciam
engoli-los, provinham de humildes famílias do interior, ela conseguira trabalho
ao balcão de um entreposto de alegrias ou tristezas
veladas por um envelope, ele, de momento, zelava para que roubassem o menos
possível de um super-mercado, por estes dias é o que se requer – zelar para que
se roube o menos possível –, quando certos factos se tornam quotidianos, é
porque nos perdemos de vez, a ânsia de cidade e litoral fê-los abraçar o que se
lhes afigurou de oportunidades, com a escolaridade obrigatória cumprida, foi o
possível, o horizonte de ambos salários possibilitou apenas um pequenito
apartamento nos arrabaldes – de início, afigurou-se-lhes um palácio, o calor do
êxtase acelera a pulsação embora turve o discernimento –, o restante era
meticulosamente calculado para que a mesa não ficasse vazia nas imperativas horas
das refeições, a realidade acaba sempre por encontrar uma porta ou janela por
onde irromper para fatalmente golpear a paixão, demora, no máximo, quatro
meses, a fatal hemorragia, após a sua extinção, ou se levanta o amor ou surge a
indiferença, para eles, felizmente, deu-se o primeiro caso, no entanto, com a
morte da paixão, o contexto circundante tornou-se-lhes nítido, demasiado
longínquo de palácios ou castelos, apenas um pequenito apartamento nos
arrabaldes, sala que era quarto, quarto que servia de sala, uma acanhada
casita-de-banho e, o que se denomina de cozinha, um corredor com uns
eletrodomésticos, ao fundo, uma janelita, com um estendal, que dava para o
prédio em frente, desconheciam a causa, ou talvez não, mas a cada dia parecia
mais próximo, todas as noites o telefone de um deles tocava, do interior ansiavam
por notícias suas, a principal se a união, sobre terreno sagrado e sob a
cruz-divina, já dera frutos, as desculpas nunca acompanham a passada do tempo, são
quase sempre de curta-validade, olhavam à sua volta e, por ali, não havia
espaço para um berço e demais utensílios, a circunstância dela, no entreposto
de alegrias ou tristezas veladas por um envelope, não lhe permitia, por
enquanto, deixar o balcão, durante uns meses, para apresentar o mundo a um
filho, ele ainda menos, qualquer abandono do posto-de-trabalho só potencia o
acto de roubar, houve vezes em que o telefone se limitou a tocar, tocar, e tocar,
ninguém calou aquele entoar impessoal e tão vulgar, indiciador da marca do
aparelho e não do seu detentor, como as coisas têm mudado sob o céu, a insistência por um fruto da sua união
começava a inquietá-los, não queriam partilhar a agrura do prédio em frente, a
cada dia, parecer mais próximo, se o fizessem, sabiam de antemão a ladainha que
se levantava do outro lado “Tanto vos avisámos para não saírem daqui! Porquê
essa fixação com a capital? Porquê? Vivem em prateleiras e nem o vizinho da
frente conhecem! Aqui, ao menos, todos nos conhecemos, trabalho não falta… E
com muita dignidade! O ambiente para as crianças, meu Deus, nada que ver com a
cidade… Podem brincar à-vontade sem quaisquer riscos. Não há o caos do trânsito
– filas e filas que desesperadamente se arrastam a caminho do trabalho, no
regresso o mesmo suplício, apenas muda o sentido –, a poluição que apenas
subtrai tempo de vida, a barulheira infernal de carros, buzinadelas, enfim… E o
apoio que aqui teriam de nós?! Há coisa mais fundamental do que ter a família
por perto??? Sinceramente…”, há quem nasça estranho
para a sua circunstância, cada um deles cumpriu com este desígnio, eles
não partiram da ruralidade, em verdade, eles fugiram, a monotonia daquele viver,
compassada por um silêncio que retalhava a alma, quase os levou à soleira da
loucura, chegaram a sentir-lhe o odor, pois, há quem nasça estranho para a sua
circunstância, cada um deles cumpriu com este desígnio, foi num passeio de
fim-de-semana, numa povoação próxima, que ela se deteve numa placa a indicar “Lugar
d´Além,” de mão no ventre murmurou-lhe “É ali que vamos ser felizes!”
segunda-feira, 24 de março de 2025
sexta-feira, 21 de março de 2025
Felizes e ocupados