Livros do Escritor

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quarta-feira, 2 de julho de 2025

O trolha, a anã e a parola



Há muitos anos, um trolha assumiu os destinos de uma oficina, nada mais natural, num contexto de tubos-de-escape, bielas, óleos e pneus, foi uma sucessão natural, no entanto, este trolha detinha as suas particularidades, quase como um distintivo, andava sempre com um colete que trazia à memória os retornados do Ultramar, confesso que lhe transmitia uma aura muito para além da sua oficina (um contexto de tubos-de-escape, bielas, óleos e pneus…), parecia um cidadão do mundo, e, em verdade, comportava-se como tal, tinha aquela irritante característica de gostar de se ouvir, mau augúrio, se temos duas orelhas e uma boca é precisamente para ouvirmos o dobro do que falamos, o trolha desconhecia esta máxima, talvez, no seu íntimo, achasse que tinha algo para dizer ao mundo, com um mínimo de atenção, bastava meio minuto para se compreender o logro, o trolha caminhava de paradoxo em paradoxo, e nem deste facto se apercebia, lá pelo bairro da oficina todos sabiam da sua proveniência, hoje podia ser o dono, mas era fatalmente um trolha, apenas e só, até passou a deslocar-se de mota, para dar um cunho de irreverência à sua imagem, quando se dobra os sessenta, há quem, de forma sublimada, procure dizer um rotundo NÃO a este facto, era vê-lo, em cima da mota, com o seu colete que trazia à memória os retornados do Ultramar, parecia um cidadão do mundo, quando surgia algum problema, os óculos sempre ao lado das narinas, levantava os olhitos e lá falava naquele lento compasso de quem aprecia cada sílaba emitida, incautos ou néscios achavam-no um douto (como não?), os óculos sempre ao lado das narinas, com o seu colete que trazia à memória os retornados do Ultramar, parecia um cidadão do mundo, e o timbre, meu Deus, o timbre, quase um sussurro, como se por ali fossem desveladas Verdades há muito ansiadas do lado de cá das coisas, em certa ocasião, por causa de uns papéis, para encobrir negociatas de óleo e bielas em terceira ou quarta mão, o trolha teve de recrutar duas artistas na obscura arte da vigarice, para o efeito escolheu uma anã, sobrevivente nata, perita em camuflar as suas múltiplas torpezas, dada a combustões de documentos, e uma parola, totalmente acéfala, cujo excesso de maquilhagem apenas tinha como intuito obnubilar a sua fealdade, dizia-se que a parola de mapas percebia um pouco, era imperativo unirem esforços para definitivamente cumprirem com os desígnios do trolha: encobrir negociatas de óleo e bielas em terceira ou quarta mão: assegurar a sobrevivência da oficina; há uns anos que o horizonte da reforma era familiar ao trolha, praticamente do quotidiano, lá providenciou um sucessor, como primeira característica teria de considerá-lo um douto (como não?), os óculos sempre ao lado das narinas, com o seu colete que trazia à memória os retornados do Ultramar, parecia um cidadão do mundo, e o timbre, meu Deus, o timbre, quase um sussurro, como se por ali fossem desveladas Verdades há muito ansiadas do lado de cá das coisas, logo que a anã e a parola souberam da iminente possibilidade da reforma do trolha, trataram de assegurar a sua continuidade na oficina, a ideia partiu, claro, da anã, a parola, além de não consolidar duas ideias seguidas, não tinha tempo para tal, a maquilhagem roubava-lhe grande parte do dia, ao longe parecia uma árvore-de-Natal ambulante, tal o festim de cores, azeite em estado-puríssimo, assim sendo, a anã, com as favolas num estado de ameaça permanente de saltar da boca, , infelizmente para o mundo, aquela é a sua cloaca, sobretudo as da arcada-de-cima, conferia-lhe um ar de toupeira desabrida, sugeriu comprar uma placa, com o nome do trolha, para colocar numa parede da oficina, talvez assim, com a merecida dose de emoção, ele interviesse para que elas continuassem, por ali, o seu louvável trabalho de encobrir negociatas de óleo e bielas em terceira ou quarta mão, a placa foi comprada, não sei mais detalhes, em que parede a colocaram, se ao lado de um póster com uma rapariga em greve de vestuário, se houve beberete, se alguém se lembrou de pôr música, a do genérico de “Bob, o construtor,” no meu entendimento, seria perfeita, se houve alguma brasileira, de fartas ancas, por ali a dar à bunda, é possível que sim, já com a devida dose de caipirinha ingerida, de uma coisa tenho a certeza: houve discurso! Imagino a anã, de boca aberta, as favolas jamais permitiam o seu fecho, infelizmente para o mundo, aquela é a sua cloaca, e a parola, também de boca aberta, neste caso, apenas um reflexo do vazio daquela caixa-craniana,  e o trolha naquele lento compasso de quem aprecia cada sílaba emitida, incautos ou néscios achavam-no um douto (como não?), os óculos sempre ao lado das narinas, com o seu colete que trazia à memória os retornados do Ultramar, parecia um cidadão do mundo, e o timbre, meu Deus, o timbre, quase um sussurro, como se por ali fossem desveladas Verdades há muito ansiadas do lado de cá das coisas.

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