Há muitos
anos, um trolha assumiu os destinos de uma oficina, nada mais natural, num contexto de tubos-de-escape, bielas, óleos e pneus,
foi uma sucessão natural, no entanto, este trolha detinha as suas
particularidades, quase como um distintivo, andava sempre com um colete que trazia à memória os retornados do
Ultramar, confesso que lhe transmitia uma aura muito para além da sua
oficina (um contexto de tubos-de-escape, bielas, óleos e pneus…), parecia um cidadão do mundo, e, em verdade,
comportava-se como tal, tinha aquela irritante característica de gostar de se
ouvir, mau augúrio, se temos duas orelhas e uma boca é precisamente para
ouvirmos o dobro do que falamos, o trolha desconhecia esta máxima, talvez, no
seu íntimo, achasse que tinha algo para dizer ao mundo, com um mínimo de atenção,
bastava meio minuto para se compreender o logro, o trolha caminhava de paradoxo
em paradoxo, e nem deste facto se apercebia, lá pelo bairro da oficina todos
sabiam da sua proveniência, hoje podia ser o dono, mas era fatalmente um
trolha, apenas e só, até passou a deslocar-se de mota, para dar um cunho de
irreverência à sua imagem, quando se dobra os sessenta, há quem, de forma
sublimada, procure dizer um rotundo NÃO a este facto, era
vê-lo, em cima da mota, com o seu colete que trazia à
memória os retornados do Ultramar, parecia um cidadão do mundo, quando
surgia algum problema, os óculos sempre ao lado das
narinas, levantava os olhitos e lá falava naquele
lento compasso de quem aprecia cada sílaba emitida, incautos ou néscios achavam-no um
douto (como não?), os óculos sempre ao lado das narinas, com o seu colete que
trazia à memória os retornados do Ultramar, parecia um cidadão do mundo, e o
timbre, meu Deus, o timbre, quase um sussurro, como se por ali fossem
desveladas Verdades há muito ansiadas do lado de cá das coisas, em
certa ocasião, por causa de uns papéis, para encobrir
negociatas de óleo e bielas em terceira ou quarta mão, o trolha teve de
recrutar duas artistas na obscura arte da vigarice, para o efeito escolheu uma
anã, sobrevivente nata, perita em camuflar as suas múltiplas torpezas, dada a
combustões de documentos, e uma parola, totalmente acéfala, cujo excesso de
maquilhagem apenas tinha como intuito obnubilar a sua fealdade, dizia-se que a
parola de mapas percebia um pouco, era imperativo unirem esforços para
definitivamente cumprirem com os desígnios do trolha: encobrir
negociatas de óleo e bielas em terceira ou quarta mão: assegurar a
sobrevivência da oficina; há uns anos que o horizonte da reforma era familiar
ao trolha, praticamente do quotidiano, lá providenciou um sucessor, como
primeira característica teria de considerá-lo um douto (como não?), os óculos
sempre ao lado das narinas, com o seu colete que trazia à memória os retornados
do Ultramar, parecia um cidadão do mundo, e o timbre, meu Deus, o timbre, quase
um sussurro, como se por ali fossem desveladas Verdades há muito ansiadas do
lado de cá das coisas, logo que a anã e a parola souberam da iminente possibilidade
da reforma do trolha, trataram de assegurar a sua continuidade na oficina, a
ideia partiu, claro, da anã, a parola, além de não consolidar duas ideias
seguidas, não tinha tempo para tal, a maquilhagem roubava-lhe grande parte do
dia, ao longe parecia uma árvore-de-Natal ambulante, tal o festim de cores,
azeite em estado-puríssimo, assim sendo, a anã, com as favolas num estado de
ameaça permanente de saltar da boca, , infelizmente para o mundo, aquela é a sua
cloaca, sobretudo as da arcada-de-cima, conferia-lhe um ar de toupeira
desabrida, sugeriu comprar uma placa, com o nome do trolha, para colocar numa
parede da oficina, talvez assim, com a merecida dose de emoção, ele interviesse
para que elas continuassem, por ali, o seu louvável trabalho de encobrir
negociatas de óleo e bielas em terceira ou quarta mão, a placa foi comprada,
não sei mais detalhes, em que parede a colocaram, se ao lado de um póster com uma
rapariga em greve de vestuário, se houve beberete, se alguém se lembrou de pôr
música, a do genérico de “Bob, o construtor,” no meu entendimento, seria
perfeita, se houve alguma brasileira, de fartas ancas, por ali a dar à bunda, é
possível que sim, já com a devida dose de caipirinha ingerida, de uma coisa
tenho a certeza: houve discurso! Imagino a anã, de boca aberta, as favolas
jamais permitiam o seu fecho, infelizmente para o
mundo, aquela é a sua cloaca, e a parola, também de boca aberta, neste
caso, apenas um reflexo do vazio daquela caixa-craniana, e o trolha naquele lento compasso de quem
aprecia cada sílaba emitida, incautos ou néscios achavam-no um douto (como não?),
os óculos sempre ao lado das narinas, com o seu colete que trazia à memória os
retornados do Ultramar, parecia um cidadão do mundo, e o timbre, meu Deus, o
timbre, quase um sussurro, como se por ali fossem desveladas Verdades há muito ansiadas
do lado de cá das coisas.
Livros do Escritor
quarta-feira, 2 de julho de 2025
O trolha, a anã e a parola
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