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domingo, 26 de julho de 2020

Quantas vezes os outros sonham connosco?



Iniciou um sorriso no decorrer de um sonho. Um sorriso do sentir. Todo ele estava no sonho. Talvez por isso o sorrir. Talvez por isso o sentir. Porque só se sente por inteiro. Não há sentires parcelares. E ele sorriu, não ao sonho, mas à memória. À memória revivida. Ao instante reavivado com outras colorações, mas com o mesmo aroma. Sim, só se sorri devido a uma doçura. E ele, naquele instante de uma outra realidade, com cambiantes de si, revivia a possibilidade de outros caminhos jamais trilhados. Como se, de alguma forma, pudesse ter sido outro. E quem não gostaria, nem que fosse por uma vez, de ter sido outro? O sonho abre-nos essa porta, mas não muitas vezes. Com o tempo, ele começou a compreender os sinais: um primeiro e tímido chiar de porta, uma luz anunciada num soalho empoeirado, e, por fim, a luz desvela-se mais um pouco, porque esta porta jamais se escancara. Apenas se entreabre. Como se proclamasse, num indizível de si, não demores…

Ele, no seu tempo de sonho, passou de tímidos vislumbres ao reflexo anunciado no soalho, a olhares indecisos à entrada, a uma férrea abnegação de entrar a dois pés e fruir, até se encontrar, de novo, na soleira da porta. Assim estava ele no sonho possível do momento. Por fim, sem uma lógica por si conhecida, embora velha companheira da tímida porta, ele viu-se, uma vez mais, na soleira desta. E, em simultâneo, algo ressoou nas lonjuras de um horizonte desconfortável e de frias arestas. A soleira da porta era sempre estridente. De novo, a incredulidade. Não será a vida uma soma de incredulidades? Talvez… À incredulidade soma-se o espanto. Com o espanto, brota a questão. E da real questão, apenas emerge a dúvida. Nada mais! Ele deixou-se ainda estar deitado. Um pé já na cama, o outro ainda na soleira da porta. Como se, de alguma forma, resistisse. Não se resignasse com a simples efemeridade de um sorriso, por si esboçado. Um sabor sentido. Não, ele precisava de algo mais. No fundo, há muito que precisava. Nesta fase da sua vida, mais importante que a direcção, é o terreno por onde se pisa. E ele, no declinar da compreensão – que mais não é do que o assimilar do malogro –, a retirar o pé da soleira da porta, como sempre acontece, a revirar-se, uma vez mais, na cama, a sentir um desconforto crescente, por outras palavras, inteirava-se da sua circunstância. Assim ficou, até os imperativos da sobrevivência o demoverem. Nesse dia, de uma forma peculiar, olhava tudo com a estranheza da distância. Houve, no decorrer dessa manhã, quem o apelidasse de ensonado. Não, não estava ensonado, mas sim nostálgico. Afinal, fora-lhe permitido, através de uma porta entreaberta, entrar e viver uma possibilidade. Sim, isso mesmo, viver uma possibilidade… 

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