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quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Com a Idade Aprende-se a dizer Adeus




Desceu a escada na dificuldade própria do acumular do tempo. Uma mão na bengala, a outra numa súplica muda – para quem? Por fim, sentiu o chão do mundo e saiu para a rua. Era crescente a sua distância em relação a tudo o que via. Primeiro, pela ligeira traição do ouvir – embora daí não se importasse, algo de latejante, em si, sussurrava que nada perdia. Em segundo, pelo espectáculo oferecido: uma velocidade contrastante com a sua lenta fragilidade, automóveis no lugar de pessoas, que a obrigavam a odisseias rodopiantes, rostos fechados, num emudecimento obstinado, que a faziam suspirar pelo vazio crescente de espaços outrora ocupados.

Iniciou a sua jornada. Ao passar debaixo da sua janela, ouviu o matinal canto do seu pássaro. Olhou para cima, numa retribuição muda de agradecimento, pelo estímulo da familiaridade. Morava no primeiro andar, de um prédio sexagenário. Numa dessas ruas da capital, onde o sol pede permissão para entrar. Era uma casa pequena. Apenas duas assoalhadas. Agora parecia-lhe enorme, pelo silêncio devolvido. À entrada, tinha uma mesa redonda, pontuada com o devido naperon (orgulhosamente proclamava-se a autora de todos os naperons por ali existentes), e, sobre esta, fotografias – vestígios de uma biografia! A casa estava repleta desta arqueologia. Afinal, ali houve vida! Ainda há, é verdade, embora uma ténue centelha, que se alimenta desta saudade que um dia espera reencontrar (...)


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