Foi um acaso a levá-los até ali, há quem lhe chame destino, facto é que, de repente, estavam perante um
sonho há muito ansiado, não regressaram sem,
pelo menos, demonstrar interesse e verbalizar um acordo, no regresso, entre
eles, até o diálogo se agilizou – os silêncios, por vezes, instalados dentro do
carro, atirados para bem longe –, planos e mais planos, aos conhecidos gabavam,
exaustiva e repetidamente, a sua recém-descoberta, e futura aquisição,
sublinhe-se, a temática das conversas não ia muito para além disto, houve quem
se afastasse, por fastio, cansaço, até por inveja – um dos aspectos mais
recorrentes e simultaneamente tão subvalorizado –, cerca de um mês depois,
daquele acaso, há quem lhe chame destino, que os levou a estar perante um sonho
há tanto ansiado, a temática das conversas perdurava, até porque o acordo verbal passaria a escrito, aqui um familiar
resolveu intervir (“Vocês têm a certeza? Acham que é uma boa
opção? Sempre aqui viveram… Não sei, até a casa parece-me ser bastante deslocada
dos vossos trabalhos… Mas, claro, é a vossa vida…”), há
fases, nesta caminhada, em que a surdez é por demais gritante, pareciam
possuídos, sob uma inquietante hipnose, existem quedas que silenciosa e
pacientemente nos aguardam desde sempre, com o seu carácter de inevitabilidade,
e como doem, a questão não é se nos conseguimos reerguer, mas se continuaremos
a caminhar da mesma forma, pois, é impossível, como mais à frente veremos pela
história deste casal, assim foi, certa manhã, de fim-de-semana, começaram a
mudança de casa e de terra, há muito ouviam falar das vantagens da vida no
interior, a tão propalada qualidade de vida, a pureza dos ares, horizontes sem
sombras de betão, ausência do inferno no trânsito, filas e filas intermináveis
em horas-de-ponta, mais tempo para usufruir dos aspectos singelos da vida, a
qualidade na alimentação, o preço das casas tão distinto da capital, tal como
as suas dimensões, foi numas férias de província, que um acaso os levou até
ali, há quem lhe chame destino, facto é que, de repente, estavam perante um
sonho há muito ansiado, uma urbanização nova, bastante jardinada, prédios
baixos, somente dois andares, “Olha, tem ali um vendedor. Gostavas de ver?
Já agora, saber os preços, para vermos a diferença…”, há questões, momentos
se quisermos ser mais precisos, de que tão amargamente nos arrependemos, como
ele se lastimaria, ainda hoje lhe perduram cicatrizes na alma, “Sim, porque
não, estaciona aqui…”, em verdade, era uma vendedora, uma campónia com laivos de urbanismo, uma das piores
misturas possíveis, dos sapatos ao cabelo nada se coadunava, imaginem uma
personagem usar um elmo medievo e umas chuteiras, exagerado o quadro, mas foi
como se lhes afigurou esta figura, além de um notório esforço para disfarçar a
ruralidade das sílabas emitidas, para não dar a volta ao edifício do ponto onde
estavam, ela resolveu entrar pela garagem, individual para cada apartamento,
não contiveram o seu espanto pela dimensão da garagem, “Dá para três
carros!”, “E ainda para arrumar muita coisa…”, a campónia recrudescia,
afinal conseguia soltar exclamações aos citadinos, subiram ao segundo-andar,
cento e trinta e seis metros quadrados divididos por uma sala, cozinha, três
quartos e duas casas-de-banho, a meio do corredor, uma escada para o andar
superior, pois, tratava-se de um duplex, um espaço-aberto precisamente com a dimensão do andar
inferior, iluminado por duas amplas janelas modernas, ela, sobretudo, não
continha as exclamações, “Meu Deus! É enorme… E lindíssima…”, os acabamentos
do mais moderno que viram, campónios com laivos de urbanismo, algo deveras
comum, como se um imperativo complexo o facto de se ser nado e habitante no
campo, não regressaram sem, pelo menos, demonstrar interesse e sublinhar um
acordo verbal, duas semanas depois, passaria a escrito, aproveitaram um fim-de-semana
para cumprirem com a palavra dada, revisitaram a casa, pelo imaginar dela construía-se
a decoração de cada uma das divisões, ele preocupava-se com a lonjura dos
horizontes avistados das varandas, tão distante das sombras de betão que o
asfixiavam, ali, pensou, “serei feliz”, houve um aspecto a inquietá-lo, embora
logo o soterrasse, um inquietante silêncio, não estava, de todo, familiarizado
com tal, havia sempre um rumorejar à sua volta, nem que fosse o trânsito – como
se um fenómeno natural –, fechou os olhos e repetiu para si “aqui serei
feliz,” ela partilhou-lhe os passos da sua imaginação, embora estivessem
aquém de tanta fartura, dúvidas só em como povoar os cento e trinta e seis
metros quadrados do andar-superior, apesar de já idealizar um ligeiro esboço,
ficaram de realizar a mudança durante as férias de Verão, assim foi, venderam a
casa e quase a totalidade do recheio – não foi difícil devido à intensa procura
por um lugar junto ao mar e perto da capital –, e compraram praticamente tudo
novo para esta, anos mais tarde ele acabaria por reflectir no porquê de nunca
se visitar a casa que se tenciona adquirir de noite, obviamente os vendedores só
trabalham durante o dia, mas pelo menos ver como é o lugar onde se morará sob o
manto nocturno, afigurou-se-lhe algo elementar, após quase três décadas a viver
junto ao mar e tão perto da capital, mudaram-se, nessa derradeira viagem
curiosamente o silêncio imperou, ela já em saudades de tudo e por si ecoavam as
frases do familiar (“Vocês têm a
certeza? Acham que é uma boa opção? Sempre aqui viveram… Não sei, até a casa parece-me
ser bastante deslocada dos vossos trabalhos… Mas, claro, é a vossa vida…”), nele
um inquietante sentir, como se caminhasse para uma noite sem prenúncio de
amanhã.
Livros do Escritor
sábado, 15 de fevereiro de 2025
Para quê??? I
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