Livros do Escritor

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sábado, 15 de fevereiro de 2025

Para quê??? I


 

Foi um acaso a levá-los até ali, há quem lhe chame destino, facto é que, de repente, estavam perante um sonho há muito ansiado, não regressaram sem, pelo menos, demonstrar interesse e verbalizar um acordo, no regresso, entre eles, até o diálogo se agilizou – os silêncios, por vezes, instalados dentro do carro, atirados para bem longe –, planos e mais planos, aos conhecidos gabavam, exaustiva e repetidamente, a sua recém-descoberta, e futura aquisição, sublinhe-se, a temática das conversas não ia muito para além disto, houve quem se afastasse, por fastio, cansaço, até por inveja – um dos aspectos mais recorrentes e simultaneamente tão subvalorizado –, cerca de um mês depois, daquele acaso, há quem lhe chame destino, que os levou a estar perante um sonho há tanto ansiado, a temática das conversas perdurava, até porque o acordo verbal passaria a escrito, aqui um familiar resolveu intervir (“Vocês têm a certeza? Acham que é uma boa opção? Sempre aqui viveram… Não sei, até a casa parece-me ser bastante deslocada dos vossos trabalhos… Mas, claro, é a vossa vida…”), há fases, nesta caminhada, em que a surdez é por demais gritante, pareciam possuídos, sob uma inquietante hipnose, existem quedas que silenciosa e pacientemente nos aguardam desde sempre, com o seu carácter de inevitabilidade, e como doem, a questão não é se nos conseguimos reerguer, mas se continuaremos a caminhar da mesma forma, pois, é impossível, como mais à frente veremos pela história deste casal, assim foi, certa manhã, de fim-de-semana, começaram a mudança de casa e de terra, há muito ouviam falar das vantagens da vida no interior, a tão propalada qualidade de vida, a pureza dos ares, horizontes sem sombras de betão, ausência do inferno no trânsito, filas e filas intermináveis em horas-de-ponta, mais tempo para usufruir dos aspectos singelos da vida, a qualidade na alimentação, o preço das casas tão distinto da capital, tal como as suas dimensões, foi numas férias de província, que um acaso os levou até ali, há quem lhe chame destino, facto é que, de repente, estavam perante um sonho há muito ansiado, uma urbanização nova, bastante jardinada, prédios baixos, somente dois andares, “Olha, tem ali um vendedor. Gostavas de ver? Já agora, saber os preços, para vermos a diferença…”, há questões, momentos se quisermos ser mais precisos, de que tão amargamente nos arrependemos, como ele se lastimaria, ainda hoje lhe perduram cicatrizes na alma, “Sim, porque não, estaciona aqui…”, em verdade, era uma vendedora, uma campónia com laivos de urbanismo, uma das piores misturas possíveis, dos sapatos ao cabelo nada se coadunava, imaginem uma personagem usar um elmo medievo e umas chuteiras, exagerado o quadro, mas foi como se lhes afigurou esta figura, além de um notório esforço para disfarçar a ruralidade das sílabas emitidas, para não dar a volta ao edifício do ponto onde estavam, ela resolveu entrar pela garagem, individual para cada apartamento, não contiveram o seu espanto pela dimensão da garagem, “Dá para três carros!”, “E ainda para arrumar muita coisa…”, a campónia recrudescia, afinal conseguia soltar exclamações aos citadinos, subiram ao segundo-andar, cento e trinta e seis metros quadrados divididos por uma sala, cozinha, três quartos e duas casas-de-banho, a meio do corredor, uma escada para o andar superior, pois, tratava-se de um duplex, um espaço-aberto  precisamente com a dimensão do andar inferior, iluminado por duas amplas janelas modernas, ela, sobretudo, não continha as exclamações, “Meu Deus! É enorme… E lindíssima…”, os acabamentos do mais moderno que viram, campónios com laivos de urbanismo, algo deveras comum, como se um imperativo complexo o facto de se ser nado e habitante no campo, não regressaram sem, pelo menos, demonstrar interesse e sublinhar um acordo verbal, duas semanas depois, passaria a escrito, aproveitaram um fim-de-semana para cumprirem com a palavra dada, revisitaram a casa, pelo imaginar dela construía-se a decoração de cada uma das divisões, ele preocupava-se com a lonjura dos horizontes avistados das varandas, tão distante das sombras de betão que o asfixiavam, ali, pensou, “serei feliz”, houve um aspecto a inquietá-lo, embora logo o soterrasse, um inquietante silêncio, não estava, de todo, familiarizado com tal, havia sempre um rumorejar à sua volta, nem que fosse o trânsito – como se um fenómeno natural –, fechou os olhos e repetiu para si “aqui serei feliz,” ela partilhou-lhe os passos da sua imaginação, embora estivessem aquém de tanta fartura, dúvidas só em como povoar os cento e trinta e seis metros quadrados do andar-superior, apesar de já idealizar um ligeiro esboço, ficaram de realizar a mudança durante as férias de Verão, assim foi, venderam a casa e quase a totalidade do recheio – não foi difícil devido à intensa procura por um lugar junto ao mar e perto da capital –, e compraram praticamente tudo novo para esta, anos mais tarde ele acabaria por reflectir no porquê de nunca se visitar a casa que se tenciona adquirir de noite, obviamente os vendedores só trabalham durante o dia, mas pelo menos ver como é o lugar onde se morará sob o manto nocturno, afigurou-se-lhe algo elementar, após quase três décadas a viver junto ao mar e tão perto da capital, mudaram-se, nessa derradeira viagem curiosamente o silêncio imperou, ela já em saudades de tudo e por si ecoavam as frases do familiar  (“Vocês têm a certeza? Acham que é uma boa opção? Sempre aqui viveram… Não sei, até a casa parece-me ser bastante deslocada dos vossos trabalhos… Mas, claro, é a vossa vida…”), nele um inquietante sentir, como se caminhasse para uma noite sem prenúncio de amanhã.

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