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segunda-feira, 27 de abril de 2020

Dolorosamente



Já passaram três dias, não sei o que hei-de fazer, meu filho, meu querido filho, nem se levanta, é estranho, caiu num torpor, o estore para baixo, o quarto num negrume, rejeita qualquer alimento, a voz sai-lhe arrastada, apenas o nome dela nos é inteligível, maldita seja! Ainda há uma semana, ele em sorrisos, mais esbatidos, é certo, ainda assim em sorrisos, logo que o via (“Chegou a minha alegria!”), abraçava-me sempre, meu filho, meu querido filho, como quando era menino, embora, para uma mãe, os filhos nunca vão além da meninice, só o facto de estar, enchia a casa, há quem tenha esse dom, falava-me dos projectos, dos sonhos, dos anseios, e, é verdade, o nome dela omnipresente, Madalena, sempre que proferia Ma-da-le-na, os olhos numa claridade primaveril, a voz amenizava, talvez por soar mais melodiosa, Ma-da-le-na, todos sabíamos, melhor dizendo, aqui em casa todos receávamos que se não proferisse Ma-da-le-na, o seu olhar turvar-se-ia, foi num repente, sabe como é, as coisas marcantes na vida ultrapassam-nos a imaginação, m as deixe-me recuar um pouco, para que possa compreender melhor a claridade primaveril, no olhar, sempre que proferia Ma-da-le-na, após três anos de namoro, ela simplesmente disse-lhe não sentir o mesmo, como um vento que inopinadamente muda de direcção, o resto é o habitual, palavras de circunstância para confortá-lo (”Foste muito importante para mim. Nunca te hei-de esquecer. És especial… Mas já não sinto a mesma coisa…”), a incredulidade tem o benefício de anestesiar, quando entrou, há uma semana, com uma sombra no rosto, o sorriso em passos de timidez, o meu coração soou-me os alarmes, nós, mulheres, temos essa vantagem, poucos homens o sabem, o nosso coração vive no mesmo andar que a razão (...)

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