A primeira vez que a vi foi quando me
abriguei na entrada daquele prédio, por causa de um repentino aguaceiro, o
Inverno renitente em partir, como se procurasse estender a sua estadia por um
qualquer capricho de última hora, ou talvez encantado pelo rosto fresco e
florido da Primavera que se aproximava, pois, é possível, eu, incauto, apenas a
olhar para o calendário, daí que, nessa manhã, ao sair, desprezasse o
guarda-chuva, porém, ao final da tarde, no regresso a casa, assim que saio da
estação, os céus resolvem limpar da terra os nossos pecados, surpreendido,
corro até à entrada mais próxima, ali fico durante o necessário, mais dois ou
três incautos, recém-chegados no mesmo comboio, juntam-se-me, no hoje evitam-se
olhares, não compreendo, nem quero, olho à minha volta e descubro-a a um canto,
muito encolhida, com uma mesita, à sua frente, que quase a cobria por completo,
sobre a mesa umas agora esquálidas florezitas, deslustradas, enterneceu-me
aquela visão, nisto uma mulher, creio que fosse mãe, aproxima-se, a tossir
ruidosamente, percebo-lhe veemência nos gestos, repreende a menina por não ter
acautelado uma protecção para as flores aquando do aguaceiro, espanta-me que
não se tenha apercebido de que os céus igualmente sobre a menina, tal o dó de a
olhar, também ela deslustrada, esquálida, as roupas, já de si pobres, agora
encharcadas, apenas acentuavam a carência de dignidade nas refeições (...)
Livros do Escritor
domingo, 29 de abril de 2018
quinta-feira, 26 de abril de 2018
Como
sempre acontece debaixo do céu do mundo, num certo momento, os nossos olhares
demoraram-se um pouco mais, de seguida, o verbo, a musicalidade da voz, tudo em
consonância, quando consegui, de novo, alcançar-me, já juras de amor pelo ar,
uma opressão no peito quando ela não por perto, e a certeza pétrea de que me
fora apresentado o conceito de amor…
in A noite aproxima-se e o dia está quase findo
terça-feira, 24 de abril de 2018
Percebi-lhe, aos primeiros olhares, uma miríade de
emoções, entre a alegria de me ver e a dor infinda de se saber sentado, esmagado
de encontro aos seus sonhos moribundos, mas é curioso, assim que trocávamos as
primeiras frases, restabelecíamos a nossa singular empatia, que nos levava,
madrugadas infindas, a confidenciarmos a alma, enquanto ouvíamos melodias que
nos relembravam quantos já fomos nesta vida…
in Harmonia
sábado, 21 de abril de 2018
quarta-feira, 18 de abril de 2018
segunda-feira, 16 de abril de 2018
Li uma vez, já não me lembro onde, que para fazermos Deus rir devemos contar-lhe os nossos planos. Mas,
naquele tempo, nós éramos os próprios deuses. E ríamos bem alto… Até que os
risos se tornaram um eco longínquo. Até o tempo o silenciar por completo. Até
que, por fim, nos alimentamos de memórias do que fomos para nos esquecermos
daquilo em que nos tornámos. Porque só olha para o passado quem sente o
desconforto do presente.
in Queria rever o teu rosto ao entardecer
sexta-feira, 13 de abril de 2018
Por fim, o sol obrigou-o a desviar-se. Olhou um ramo
próximo. Admirava, agora, a graça com que se alongava, em contínuas
multiplicações, numa harmonia de matéria e céu. Como se abraçasse o todo, e
tangesse a impossibilidade. De súbito, levou a mão ao rosto. Contemplou as
inscrições gravadas na palma. E, então sim, compreendeu…
in Queria rever o teu rosto ao entardecer
quarta-feira, 11 de abril de 2018
terça-feira, 10 de abril de 2018
Recordou
aquela vez, há muito passada, em que acompanhou, precisamente dali, a lenta e
cantada aparição do nascer do mundo. Nessa altura, o alaranjado do horizonte
soube-lhe a vastidão. Já não se recorda de há quanto tempo foi, parecia-lhe, agora,
ter sido numa outra vida. Sim, é verdade, quantas vezes se morre e nasce ao
longo de uma vida?
in Do outro lado do rio, há uma margem
domingo, 8 de abril de 2018
sexta-feira, 6 de abril de 2018
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