"Trouxe consigo, no regresso, apenas o
possível. Como há muito aprendera a fazer. Afinal, a maior jornada não era a
ida ao supermercado, mas a odisseia mensal da sobrevivência. Havia, de facto,
naquela cidade, e em muitas outras do país que a vira nascer, muitos milagres
da multiplicação. E só um país onde há fome é pródigo em taumaturgos.
Ao chegar, não houve o canto da sua
ave. Também ela se silenciara. Sobe as escadas num esforço indizível. A dor é
sempre incomunicável. Mete a chave à porta, e o seu coração aquece-se. Ouve o
som familiar de alguém que a espera. Em breve, estará aos saltos a seu lado, a
pedir comida, a lamber-lhe as mãos na singularidade de uma ternura desmedida.
Sim, é a sua única companhia. É quem se senta a seu lado a olhar as
fotografias."
in "Com a idade aprende-se a dizer Adeus"
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