Livros do Escritor

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quarta-feira, 9 de abril de 2025

Filadélfia

 


Hoje resolvi levantar a memória de uma figura que, num certo contexto, ficou conhecida pelo supracitado título (homónimo de um aclamado filme), nesta altura, estar-se-á o leitor a questionar: Porquê Filadélfia? Bom, já lá iremos… A primeira característica a ressaltar era a sua irritante voz, algures entre um boneco-de-corda e uma criancinha com mimo em demasia, para agudizar o efeito, tinha o condão de muito pouco se calar, era efectivamente simpático, nada a obstar, no entanto, aquele timbre, algures entre um boneco-de-corda e uma criancinha com mimo em demasia, assassinava a paciência de qualquer um, falava com todos, diálogos de superfície, pouco mais, embora, por vezes, tentasse dar um passito para além do circunstancial, para o efeito, elegeu a música como seu baluarte, sobretudo uma área recente – a denominada “música alternativa” – ou lá o que isso seja, creio, com sinceridade, que, por estes dias, haja nichos para tudo, de volta à personagem em apreço, há que sublinhar o seu divórcio com o trabalho, e foi litigioso, sublinhe-se, nunca o ouvi proferir tal vocábulo, ainda hoje não sei se foi logo à nascença, é uma possibilidade, quando alguém, por acaso, falava de um episódio no seu emprego, ficava em espanto, emudecido, como se, de repente, falasse num idioma estranho proveniente de longínquas paragens, o seu quotidiano cingia-se a casa, à frequência daquele contexto, e aguardar pelas sextas-feiras onde, na companhia de outro melómano, rumava para essas lojas recônditas, sobretudo na capital, onde se vendiam álbuns de “música alternativa,” era vê-lo chegar, uma dezena de minutos antes da hora combinada, para povoar todo o espaço em redor com aquele timbre, algures entre um boneco-de-corda e uma criancinha com mimo em demasia, assassinava a paciência de qualquer um, como gostava de discorrer sobre álbuns e cantores incógnitos para a maioria, muitas vezes, no regresso, lá vinha com alguns debaixo do braço, com ar de júbilo, pois, incógnitos para a maioria, em algum momento teria de se sentir um iluminado, embora luz não lhe faltasse, pelo contrário, essa era uma das suas mais notáveis características, em verdade, independentemente da hora ou da circunstância, parecia sempre saído de uma intensa sessão de sauna, as luzes em volta reflectiam-se-lhe no rosto, o cabelo similar a um anúncio de gel, talvez fosse um homem de calores, é possível, a seu lado, omnipresente, a figura materna, dessas que acha ser o farol do mundo, apesar de nem a pirilampo chegar, não só pela altura como pela consistência das frases emitidas, o semblante registava a aspereza de uma inextinguível dívida por cobrar do mundo, as coisas são, quase sempre, muito simples, a partir de certa idade, as mulheres que registam um semblante áspero de uma inextinguível dívida por cobrar do mundo são as divorciadas e mal resolvidas, denotava-se-lhe pelo penteado que a sua inspiração estava além-Atlântico, numa jornalista cuja permanente companhia era um papagaio-verde, de facto o cabelo transparecia uma aura falante e alada, confesso que, não raras vezes, dei por mim a olhar para os seus ombritos, na expectativa de por ali vislumbrar um papagaio-verde, como era estranho conciliar estas duas personagens, à superfície tão distintas, mas com tão singulares laços como: mãe e filho: ela com um semblante áspero, de uma inextinguível dívida por cobrar do mundo, a achar-se um farol da razão, apesar de nem a pirilampo chegar, ele parecia sempre saído de uma intensa sessão de sauna, as luzes em volta reflectiam-se-lhe no rosto, o cabelo  similar a um anúncio de gel, com a sua irritante voz, algures entre um boneco-de-corda e uma criancinha com mimo em demasia, para agudizar o efeito, tinha o condão de muito pouco se calar, soube-se mais tarde, em certos contextos tudo acaba por emergir, que, além de ter uma companheira, já tinha um descendente, cioso da sua privacidade, compreensível, já brilhava em demasia, certa tarde, de uma sexta-feira, foi visto com a sua companheira, antes de embarcar na odisseia por lojas recônditas, sobretudo da capital, onde se vendiam álbuns de “música alternativa,” houve quem jurasse que a sua companheira parecia a última contratação de um conhecido clube de futebol, enfim, pura maledicência, só podia ser, talvez alguém que se sentisse ofuscado com tanto brilho e almejasse ter um cabelo saído de um anúncio-televisivo de gel.


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