Ensinaram-me,
em criança, que Deus é perfeito, o mal é resultado do livre-arbítrio do homem, sempre
tive estas duas premissas bem presentes, até que, há uns dias, alguém,
durante o relato de um episódio biográfico, a dada altura afirma: “Deus também erra”; a frase ecoou por cada
canto do meu ser (“Deus também erra”), em verdade, tirando a perspectiva
teológica, eu não tinha como contrariar esta evidência (“Deus também erra”), quem, nos
seus passos pelo aqui, não queria, num dado momento, tudo fosse uma outra
coisa? E o amanhecer confrontado (ou será resignado?) com o mesmo tão
indesejado do ontem, um velho aforismo dita que “Não há ateus na hora da
morte,” concordo plenamente, a morte acompanha-me a cada passo, porque, há
muito, não a temo, em verdade, só a receei durante a infância, no entanto,
houve em mim uma mudança, desconheço a sua génese, facto é que desde a
adolescência me sinto pronto para a acolher, num certo momento até já lhe senti
o calor, a morte não é fria, como se pensa, mas quente e tranquilizadora, a
primeira sensação que tive, ao ouvir esta frase (“Deus
também erra”), foi de distância, senti que talvez Deus se tenha cansado
do homem e partido para bem longe, minha avó sempre me
pareceu ser detentora de um canal de comunicação privilegiado com Deus, as pedras,
entre seus
dedos, ritmadas por palavras suplicantes e de glória, ora de manhã, ora de
tarde, sempre uns momentos consagrados para pôr a conversa em dia
com o Criador, e não passava um dia sem entrar no lugar
de encontro entre nós, que para aqui andamos, e Ele, a seu lado, era
impossível esquecê-Lo, meu pai também era crente, nunca
se deitava sem antes dirigir umas palavras de louvor e gratidão ao Altíssimo, embora nunca lhe
visse pedras, entre seus dedos, ritmadas por palavras suplicantes e de glória, ora
de manhã, ora de tarde, só uma vez por semana entrava no lugar de encontro
entre nós, que para aqui andamos, e Ele, de uma visita diária a uma semanal,
pois, apesar da fé paterna, em relação a minha avó, a presença de Deus, lá por
casa, diluiu-se um pouco, feitas as contas, que dizer da minha…? As coisas,
pelos vistos, estão num gritante decréscimo, ou terão somente mudado de coloração?
Outro velho adágio dita “Cada um tem o Deus que merece,” pois, não sei, como todas as relações, há os seus altos e baixos,
proximidades e enormíssimas distâncias, a verdade é que Nele acredito, independentemente
da forma, o conteúdo só pode ser fatalmente o Bem, continuo sem responder à
questão (“Deus também erra?”), apesar de me ter sido apresentada sob a
forma de uma afirmação, a realidade é que não tenho resposta, só quando a morte
se sentir pronta para me acolher tê-la-ei, antes é, de todo, impossível não dar
uma resposta parcial mediante a nossa circunstância, dei voltas e voltas à
cabeça e, de facto, o “sim” é a resposta mais plausível, quantos sonhos
sepultados não jazem à vista do nosso horizonte? Quantas vezes o acontecer não
foge à cor do nosso sentir? Quanta Dor não grita na noite das nossas almas?
Quase subscrevo que “Deus também erra,” mas aqui levanta-se-me a
honestidade, o facto de só deter uma visão parcial dos factos, vemos o mundo da
varanda de nós, é esta a nossa realidade, o vislumbre do Todo é apenas uma
quimera, por conseguinte, não, não posso subscrever tal afirmação, também não a
posso refutar, isto que fique bem sublinhado, só quando, por fim, o meu cansado
coração adormecer, conseguirei responder, se minha avó sempre me pareceu ser
detentora de um canal de comunicação privilegiado com Deus, as pedras, entre
seus dedos, ritmadas por palavras suplicantes e de glória, ora de manhã, ora de
tarde, se meu pai nunca se deitava sem antes dirigir umas palavras de louvor e gratidão ao
Altíssimo, eu para aqui ando, como todas as relações tem os seus altos e
baixos, proximidades e enormíssimas distâncias, a verdade é que Nele acredito,
talvez, de um certo lugar, estas palavras se assemelhem às pedras que
passavam entre os dedos de minha avó.