Livros do Escritor

Livros do Escritor

sábado, 27 de novembro de 2021


 ... se há batalha desleal é sempre com os mortos, um duelo votado ao malogro, o morto adiciona a ideia à saudade, há soma mais poderosa?

in Anoiteceu

sexta-feira, 19 de novembro de 2021


 

Todo o ocaso é um melancólico espelho da nossa finitude.

in Olhei para trás e sorri...

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Não te esqueças de regressar


 

Chegou aquela hora, que sempre queremos adiar, com mais um copo, uma palavra, um vislumbre, rápido ou demorado, um qualquer passo, de nos sabermos irreversivelmente sós. É, de facto, da nossa essência, esta orfandade devidamente silenciada pelos ululantes gritos do mundo. Ela ainda na cozinha, pano da louça na mão, sempre algo fora do sítio, como se as coisas resistissem, de forma obstinada, a uma arrumação sentenciada. A casa já em silêncio. Apenas um murmúrio visual proveniente da televisão da sala. Não chega para lhe perturbar a corrente do pensar. Mais um garfo, um prato, um copo, aquele banco que insiste em fugir de debaixo da mesa, a porta do armário da louça que não fecha, desliza num lamento infantil, por fim, ela a sós com o pano, nada fora do sítio, talvez ela sem um lugar, ou tê-lo-á perdido? Olha pela janela. O candeeiro, que brota do passeio, não chega para disfarçar a noite. De vez em quando, o som de um carro, um latido de abandono, passos, vozes, a televisão de cima sempre demasiado alta, de novo um carro, ela, agora, com a pano pelo ombro direito, como se um despojo de qualquer coisa de que se afastou, dali vê a estação, sim, dali vê aquilo, embora já veja numa saudade da dor, porque, enquanto a dor gritava mais alto que a sua voz, ele, de certa forma, ainda vivia em si, agora socorria-se daqueles vestígios de tempo perpetuados em rectângulos plásticos depositados em camilhas e prateleiras de armários, para relembrar que o tempo, por vezes, corre ao contrário. Na plataforma da estação começa a haver um ajuntamento de pontos vermelhos tremeluzentes, que vagueiam numa indolência de amanhãs distantes, aproxima-se, neste momento, um resfolgar metálico personificado numa luz ímpar que rompe a noite para anunciar movimento. Ela fecha a janela num repente. Vira-lhe as costas. Retira o pano do ombro, deixa-o sobre a mesa, vai até à sala, o marido dorme, no sofá, enlevado pelo murmúrio visual de uma qualquer esterilidade diária, o jornal a cobrir-lhe as pernas, a boca ligeiramente aberta, como se lhe comunicasse o porquê de silêncios, ela inveja-lhe o sono, a quietude, ela abre mais os olhos do que os fecha, desde aquela tarde, era Verão, há quanto? Sempre há demasiado… Sempre há tão pouco. Daquela tarde, apenas rectângulos de momentos, desta vez, não depositados em camilhas ou prateleiras de armários, mas no seu pensar. E aquele som, como se um grito de fim… Estava naquela precisa janela, a plataforma da estação colorida de um ar marítimo, debruçava-se para o estendal, povoado de vestígios de areia e mar, ouve aquela voz que se alterava ligeiramente sempre que pronunciava mãe, ou talvez fosse do seu sentir, como se repousasse para inspirar, sim, a mãe é sempre uma margem, ela em sorrisos àquela voz, ia sair de novo, um telefonema daquela rapariga, sim, aquela com que se demorava, há já algum tempo, duas ruas acima, ainda não a apresentara, talvez por pudor de um sentir não confessado, mas mãe nunca precisou de confessionário, antes de sair, Até já (Será este o tempo da Eternidade?), capacete branco na mão, ela ainda a completar o puzzle do estendal, a vê-lo lá em baixo, a subir para aquela montada do hoje, um grito nervoso a ecoar pela rua, uma mão que se levanta ao mesmo tempo que um olhar, como se Até já, ela retribui do estendal, num sorriso orgulhoso e comovido pelo seu cavaleiro da contemporaneidade, o puzzle já completo, ela a regressar para dentro, o grito nervoso afasta-se, antes da sala, antes de abandonar, por completo, a cozinha, algo a imobiliza, como se compreendesse o precipício constante de nome vida, ecoou terror daquela estação, pelos ares cálidos do entardecer estival, ela siderada pelo abismo revelado, tiveram de vir buscá-la, dispensou o verbo alheio, o vazio de expressões desconexas e gastas como os paralelos de uma cidade sempre cinzenta. Durante esses tempos, viajou com a surdez. Talvez por isso, ainda viva. Tanto foi dito… A pressa de chegar duas ruas acima, talvez quem se demore num olhar se esqueça do mundo, houve quem falasse da lentidão, sempre demasiada, das cancelas ao descer, mas, quantas vezes transpôs ele aquela barreira? Porventura, demasiadas… Daí o cansaço. Só saiu de si, por essa altura, quando, dias depois, uma mão depositou algo no seu bolso, numa manhã de olhares baixos e terra revolvida. A mão deixara-lhe dois rostos, sorridentes, como se acariciados por uma brisa tépida vinda de um país de nome futuro. Antes de partir, aquela mão ainda apertou a sua. Há lugares onde as palavras não entram.



 


 


 

quinta-feira, 11 de novembro de 2021


... jamais a palavra saberá distinguir o doce ou amargo de uma lágrima...


in Anoiteceu